A ideia em si é boa, mas quando se fala de prevenção pensando que apenas um “bom passo” pode ser suficiente, é preciso um programa integrando os vários atores e as diversas circunstâncias envolvidas na dinâmica dos Acidentes de Trânsito no Brasil. Estes sinistros que estão sempre na mídia, dos quais somos testemunhas diárias, responde por cerca de 45.000 mortes (22,5 mortes/100 mil habts.) e mais de 450.000 feridos (20% com sequelas graves). Além disso, deve-se considerar as inestimáveis perdas de recursos da Sociedade e dos governos, algo que pode ser estimado em mais de R$180 bilhões (quase 3% do PIB!), conforme dados de levantamento do IPEA/2017. É sim um enorme problema de Saúde Pública e de Segurança Viária que clama por ações mais eficazes e abrangentes, e com maior resolutividade e que precisa de maior atenção de todos. Esses números já seriam por si só suficientes para nos preocupar, porém ainda temos os trágicos impactos que se abatem sobre milhares de famílias como tragédias anunciadas. O principal fator de risco é o dirigir sob efeito do álcool que está presente em mais da metade dos acidentes. O aumento da oferta de toneladas de maconha e de cocaína que entram pelas fronteiras com Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai,… é uma questão a ser ponderada, pois todos nós estamos diante desse cenário, inclusive os motoristas, o que sem dúvida aumenta o nível de risco de acidentes. Qual o número de motoristas envolvidos em acidentes fatais que estavam sob o efeito de drogas ilícitas? Cabe então perguntar se as autoridades públicas responsáveis pelo transito realizaram levantamento nas Emergências/Pronto Socorro e nos IMLs das grandes cidades para se ter melhor ideia da realidade (Informação estratégica).
Em 2004, há cerca de 15 anos, realizamos pesquisa como projeto de tese de doutorado na UFRJ, observamos que naquela época a realização do exame de alcoolemia das vítimas de acidentes de trânsito no IML do Rio de Janeiro já apresentava certa dificuldade (carência de material para todos exames). Contudo, foi possível selecionar quase 300 casos que fizeram parte dos resultados da tese e que serviram para os resultados obtidos e como subsídio para elaboração do Projeto de Lei que se tornaria a Lei 11.705/2008. Ninguém discorda que nas Emergências, como nos IMLs, deveria haver condições para realização das análises toxicológicas. Muito provavelmente, os números de condutores, com exames positivos seriam bem maiores, principalmente nos fins de semana. Assim, sem subestimar essa importante iniciativa do “Drogômetro”, é preciso considerar uma política efetiva e abrangente para enfrentar com maior resolutividade essa grande “tragédia de segurança viária” em nosso país. Procedimentos isolados como os exames toxicológicos durantes as blitz, possivelmente mostrará resultados semelhantes com os da Lei Seca, ou seja, a redução de vítimas não foi de grande significância. É um importante passo, mas não é suficiente. Nos países citados como exemplos, existem relevantes programas integrados gerenciados pelo estado e/ou organizações competentes, envolvendo os diversos atores que desenvolvem ações e estratégias na área da Segurança Viária. Neste sentido, tivemos oportunidade de participar da Audiência Pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal, (Brasília 7 e 14 de maio de 2012) e apresentar comunicação sugerindo “Programa dos 5 Passos” a ser adotado como política pública de governo (de estado, melhor dizendo): 1) Informação, 2) Educação, 3) Conscientização, 4) Fiscalização e 5) Penalização adequada (crimes de trânsito com vítimas fatais seriam com dolo ou dolo eventual). Neste sentido, a ABRAMET que reúne destacados especialistas de Medicina de Tráfego, vem discutindo ao longo de muitos anos a questão relacionada à Segurança Viária. Cabe lembrar aqui que o Brasil irá passar por situação de constrangimento como signatário da Campanha da ONU – Década Mundial de Segurança Viária 2011 – 2020, ao mostrar que não atingiu a meta de reduzir em até 50%, o número de mortes nas estradas, pelo contrário, houve aumento de 20 % das vitimas fatais nesse período da referida “Década”.
Portanto, não podemos deixar de chamar a atenção, como médico de Saúde Pública e membro da ABRAMET, para necessidades de implantação de programas integrados (5 Passos), envolvemos os exames toxicológicos como parte deste programa (Bafômetro e Drogômetro). O desenvolvimento de programas de educação permanente nas escolas secundárias sobre Trânsito, laboratórios de Informação inteligente com apoio de bancos de dados integrados em rede nacional pelo sistema, incentivar a conscientização continuada através de campanhas veiculadas nas diversas mídias, adequar a fiscalização do uso de álcool e de outras drogas pelos motoristas e, por fim, aplicação de penas mais duras para casos de responsabilização referentes aos acidentes com vítimas fatais. Tomando como exemplo a França, vale observar, no que tange a “programa de prevenção” de acidentes de trânsito, o que as autoridades francesas conseguiram como resultados: fantástica redução da taxa de mortalidade: redução de 16.000 no início dos anos 90 para cerca de 4.000 em 2011. Embora não faça parte das ações e estratégias da política pública de Segurança Viária, devemos considerar que é de grande relevância em muitos casos fazer o encaminhamento de determinados motoristas para programa de atenção, prevenção e reabilitação em programas terapêuticos especializados.
Assim, deveremos esperar que mais vozes engajassem no enfretamento dessas tragédias anunciadas dos acidentes de trânsitos. E que na próxima década (seria mais uma década perdida!…) possamos conseguir significativa redução desses trágicos números. É o que esperamos.